quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

. doença da cura .



Retardei por anos, fugi de mim, do tempo, de tudo. Não se pode fugir pra sempre! E o preço inicial foi jogar minha vida fora, com sonhos,amor, trabalho, verdades, crenças ...tudo! Trocas, acordos, rezas, promessas, sim, eu pedi tanto, pedi com uma força que nem sabia que em mim habitava, a caminho da primeira empreitada, pedi que me tirassem daquele corpo, não queria estar nele, e mais uma vez fugi.

Era vermelho, o sangue, exatamente como o de todos, ele até parou, também como o de todos, mas algo não tinha dado certo, era hora de eu voltar de uma vez pra meu veículo nesse mundo, e dirigí-lo, mesmo que desgovernadamente, precisava estar inteiro no que se diz respeito às partes que formam um ser: alma, corpo e coração. Novos preços foram acrescentados, como uma espécie de juros ( indevidos?) era tanto a ser pago, e eu vagava por um momento que parecia não ser o meu, mas era, não tinha mas como não ser, a tempestade tinha ficado ainda mais forte, e era a hora de eu enfrentá-la de peito aberto e sozinho.

Longas noites, solidão, incertezas, vazios... eu estava vivo... e não sabia por quanto tempo, isso me fez pensar que morrer repentinamente,ao menos pra quem vai, talvez seja mais fácil... mas eu estava ali, vivo e tendo que lutar e assumir a responsabilidade do que eu tinha demais precioso em minhas mãos: minha vida. Noites e noites, hemorragias, bactérias de todos os tipos habitavam em mim, brigavam com meu corpo, queriam vencê-lo, um ano inteiro, três cirurgias, 6 meses de internamento, dores e um medo animal e por vezes desumano: a minha cura tinha adoecido,até meus ortopedistas abandonaram o barco, fiquei a deriva. 

Tentava encontrar prazer na subsequência dos dias, deixava o sol tocar minha pele e a luz cegar meus olhos, sentia o cheiro das coisas todas, abraçava mais forte, comia tudo que eu sentia vontade ( e obviamente liberado pelos médicos) transformei minha cama num dancing e muitas vezes dançava no meio das estrelas, pedi um colchonete e coloquei ao meu lado pra que Deus pudesse sempre dormir ali, juntinho. Músicas, livros, blogs, familia, amigos, uma nova familia nos hospitais que morei, passeios em cadeiras sobre rodas, romances relâmpagos e até por 45 dias residi numa bolha azul: nem tudo foi tristeza, e no meio da tempestade, descobri o quanto sou feliz.

Junto com os resultados diários dos exames fiz pedidos, fazia pesquisas de horas e horas com o Dr. Google, minha cabeça ficava ainda mais confusa. Ali completei 33 anos, travando uma via crucis, assim como cristo. Ali também na bolha, que ainda nem tinha cor, me despedi de minha avó (Maria Spinelli), no meio da tempestade foi necessário que ela deixasse essa vida: perdi e ganhei coisas que jamais podereiesquecer, eu estava vivo.

A dor em mim fez morada, a poesia explodia dos meus dedos, uma certa frieza com relação ao mundo aqui fora, como se eu não mais fizesse parte dele. O amor, a solidariedade, os banhos, as leituras, os filmes e cada momento vivido ali dentro com os amigos-irmãos tornara-se inesquecível. A luz acendeu e apagou inúmeras vezes, e num desses crepúsculos, João Marcello ( meu sobrinho-afilhado) resolveu vir ao mundo, e enquanto ele não chegava, esse se tornou meu maior pedido: poder vê-lo. Eu o vi, e hoje ele é minha maior alegria, depois de acordar todos os dias de manhã.

Minha cura ainda está doente, e esta doença me trouxe um ser humano novo e capaz de coisas extraordinárias, muita coisa em mim morreu junto com as bactérias, outras, novas ainda, to aprendendo a sentir e ter como parte integrante da minha alma, tem dias que sinto, e em outros apenas sigo, me sinto livre, vivo e decidido a viver, viver tudo, cada momento, curado ou não, a pior doença mora na alma e na incapacidade de ser.

3 comentários:

  1. sou grata a deus por te ter (no presente, no passado, no fututo, no rio, em recife... em qualquer tempo e lugar).

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  2. Vida, morte, vida... enquanto houver conflito vc estará vivo!! Viva a cura , a poesia e vc em nossas vidas!! Carinho de quem te conhece de longe e te gosta!

    Bjks n'alma

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  3. Privilegiados somos, eu e quem mais tiver a felicidade de compartilhar dessa enxurrada de vida que transborda da sua alma. Obrigada por fazer a minha vida ter um sentido inominável cada vez que olho nos seus olhos. Eu seria uma pessoa medíocre se não pudesse chamá-lo de meu amigo, meu irmão sem sangue, mas de muitas lágrimas e sorrisos! Vc me completa como pessoa, sua existência dá sentido a uma parte da minha alma. EU TE AMO!

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